Jorge Amado, Patrono do Turismo do Brasil, por José Queiróz

 

José Queiroz

As pessoas foram motivadas a visitar lugares, inicialmente, pelos relatos de viagens de conquistas, negócios e religiosas, depois pela literatura, cinema e televisão. Atualmente o trabalho de profissionais de turismo, publicidade e internet, informa, viabiliza e concretiza viagens e sonhos. Todos os veículos, entretanto, utilizam a História narrada pelos livros ou a ficção, a cultura de cada região, locais históricos, sagrados ou famosos, e as características de seus povos, que são os símbolos que alimentam o turismo. A exploração da natureza é mais recente, e não movimenta tantas pessoas e dinheiro como a cultura e a religião.

Jorge Amado começou sua obra quando o turismo estava se organizando e buscando sua autonomia. Em 1925 houve um Congresso Internacional de Associações Oficiais de Turismo, na Holanda, quando se discutiu a evolução da atividade e a interferência de governos. O mundo estava em fase de transição econômica, política e social e, em paralelo, o Brasil estava se adaptando à nova realidade pós Império e escravidão, buscando o desenvolvimento, e procurando definir sua identidade cultural. Leia sobre a participação de Jorge Amado nesse processo no site http://www.historia.uff.br/stricto/td/1515.pdf.

Turismo, obviamente, não era o objetivo inicial do escritor, mas ele escreveu ou participou de cinco livros guias turísticos, o mais famoso é Bahia de Todos os Santos, onde ele comentou a visitação de turistas mal conduzidas, prejudicial para culturas e monumentos, consequência da falta de profissionalismo da época. Ele mesmo foi “cicerone” de personalidades que vieram ao Brasil e à Bahia por sua influência. Em 1972 houve a Convenção Mundial do Patrimônio, da UNESCO, pois já se manifestava essa preocupação com os locais visitados, supostamente agredidos pela indústria turística, que hoje é, reconhecidamente, instrumento de preservação. Por isto, é necessário a formação, o emprego e a administração especializada.

O conhecimento prático e a sensibilidade de Jorge Amado, o talento para escrever, a formação em Direito, a consciência social, a influência de Gilberto Freire, a militância política e literária mundial, e o amor por Salvador, a “Cidade da Baía”, sua História, religiosidade e monumentos, sua gente, resultaram numa obra fabulosa em diversos aspectos. Reconhecida e reproduzida mundialmente, a obra divulgou o país e causou interesses, provocou discussões e trouxe contribuições, ajudou a formar a imagem pacífica, ordeira e alegre do Brasil e do seu povo, principalmente da Bahia. Fomentou o turismo!

Nenhuma cidade brasileira foi tão mostrada e discutida no mundo como Salvador! O colorido do Pelourinho e do povo miscigenado, místico e festeiro; a religiosidade singular, as cerimônias de Candomblé, as igrejas, procissões e festas católicas que geraram as festas populares e o maior Carnaval do mundo; a resistência à exploração, a sensibilidade e o talento para todas as formas de artes que geraram obras e manifestações espetaculares, como o samba e a Capoeira, de Gregório de Matos a Bel Borba, especialmente a do mestre Jorge Amado, que amava e internacionalizou a culinária e a musicalidade baiana.

Infelizmente, a falta de profissionais especializados na condução do turismo, e a falta de conhecimentos de pessoas que foram improvisadas, ou mal preparadas, têm causado problemas para esta atividade que poderia contribuir bastante com a economia e a cultura local. Turismo teria que ser matéria obrigatória nas escolas da cidade. O turista quer conhecer todos os pontos turísticos, ir à praia, se instalar num resort ou fazer um cruzeiro, mas o Pelourinho e o povo é o seu interesse. Há casos de turistas que sabem mais sobre a Bahia que muitos baianos! O atendimento no Pelourinho, por exemplo, não está à altura da História, da grandiosidade da obra de Jorge Amado, e da expectativa do turista. Este lugar precisa de atenção, intervenção, requalificação de profissionais, gestão competente!

Além disso, o turista espera encontrar tipos encantadores como Vadinho, Pedro Arcanjo, Gabriela, uma Flor que ensine a fazer quitutes, tomar uma cachaça de folha, conhecer as famosas igrejas e visitar um terreiro de candomblé, “receber um passe” e se sentir protegido, ouvir e tocar tambores, entender e curtir a musicalidade baiana. O candomblé não é devidamente apoiado pelo Estado laico, teoricamente, mas que aproveita seus símbolos na publicidade que gera negócios, e é tão desconhecido de muitos baianos como a própria História da África. Nem tem relação profissional/cultural com a atividade, que seja boa para os dois lados, principalmente para o povo baiano e para o visitante.

O turismo e a obra do Jorge Amado tem um ponto comum: a relação entre as pessoas, sem distinção. A atividade é reconhecida hoje como um meio de integração dos povos, pois o turista, principalmente em grupo, não tem cor, cultura, credo, especialidade, autoridade ou posição social. Todos são iguais para o profissional de turismo, serão atendidos e respeitados pelo interesse comum a todos, que é conhecer o lugar. As diferenças existem, mas são superadas durante as viagens, e não raro, desaparecem com o intercâmbio cultural.

E Salvador tem mais a refletir do que comemorar nesse momento. A cidade não foi devidamente preparada, Jorge estaria triste se visse o Pelourinho abandonado outra vez e o povo que ele retratou afastado de lá, dividido e hostilizando-se por ignorância e ganância de gestores que não conhecem nem honram sua obra, apenas estão na mídia, atrás de votos. Há tempo que se pede a recuperação da sua casa no Rio Vermelho, mas nenhum partido político o fez, suas prioridades são outras. Agora, no centenário de um dos escritores mais conhecidos do Brasil, nesse momento comentado e discutido em todo o país, e em vários lugares do mundo, às vésperas da eleição, estavam todos os candidatos lá, numa foto emblemática.

Salvador precisa oferecer o Tour Jorge Amado, como acontece em cidades que geraram personalidades como ele. Mas antes precisa recuperar o Pelourinho se quiser ter o turista de volta, precisa criar condições do lugar ser frequentado pelos baianos também, empregados e patrões, estudantes e professores, aprendizes e profissionais, artistas e público, padres e pecadores, boêmios, enfim, que se misturem todos, e com os turistas também, era o presente que o Jorge Amado merecia. Que respeitem a cidade, sua História, sua gente e a obra do escritor brasileiro mais famoso no mundo.

Aí sim, faça-se uma festa bem ao gosto do Jorge, um regabofe, divulgue-se, convide o povo da cidade e do mundo inteiro, dê comida, cachaça e música, muita música. É o que o povo e o turista quer, os baianos de verdade, não os falsos baianos.

“Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos, porque eram todos eles sem carinho e sem conforto, e agora tinham o carinho e o conforto da música.”

Jorge Amado – da obra Capitães de Areia

O autor é agente de turismo em Salvador